O picolé de alface e o bife de mamute

Era uma vez… Assim começam as histórias de fadas, duendes, bruxas e dragões. Gente esquisita, nunca vista por nenhum de nós, mas que alguns garantem viver na floresta.

Nossa história também começa assim. Era uma vez… uma geladeira. Geladeira? Sim. Não é comum histórias com geladeira, mas essa era especial. Branca, com as bordas laterais arredondadas, ela ficava no fundo da cozinha. Possuía personalidade própria, fazendo ruídos estranhos e, por vezes, nos repelindo com pequenos choques quando tentávamos abri-la. De longe, parecia um grande elefante branco. Ou melhor, um mamute branco. Branco e congelado!

Sim, congelado. Ela possuía uma personalidade tão marcante que congelava tudo o que nela estivesse. Congelador era algo que esta geladeira dispensava, pois podíamos colocar o que fosse em seu interior, que sempre congelava. E rápido! O refrigerante, o feijão cozido e até a coitada da alface, guardada na gaveta mais afastada do congelador.

É desta época que conheci o picolé de alface. Suas folhas endurecidas, com um pouco de sal, davam um picolé crocante – inigualável e invejado por todos os meus amigos. Tinha cor de alface, forma de folha de alface, mas o gosto… Não era de alface! Uma maravilha.

Lembro-me também que aproveitávamos a geladeira para vários experimentos científicos. Eu e minha irmã decidimos que reanimaríamos formigas, mosquitos, plantas e peixes congelados vivos em nossa possante máquina de fazer gelo. Nunca deu certo, mas era impressionante como todos congelavam depressa e mantinham sua forma intacta.

Isto me faz lembrar fósseis encontrados congelados na Rússia. Nas estepes da Sibéria, ocorrem as carcaças de centenas de diferentes animais, sendo os maiores e mais abundantes os mamutes. São tão frequentes que o comércio do marfim de seus grandes dentes foi uma atividade lucrativa durante muitos anos. Mas o que teria permitido que suas carcaças fossem preservadas com pelos, músculos e até mesmo restos de alimento no estômago? Com certeza, à semelhança de minha antiga geladeira, um rápido congelamento seria necessário.

Acredita-se que, para se congelar um mamute, que possui as proporções de um elefante, sem que haja a decomposição de sua carne, seria necessário um resfriamento rápido que chegasse a uma temperatura negativa de 100°C. Assim, ocorreria a morte catastrófica de enormes manadas em um tempo muito curto, já que a maior parte dos fósseis congelados da Sibéria possui em torno de 10.000 anos. Mas como isto teria acontecido? Alguns mamutes foram encontrados ainda em pé. Possivelmente, ficaram aprisionados em regiões pantanosas ou em pequenos lagos e morreram rapidamente sufocados e congelados por uma gigantesca tormenta de neve vinda do oceano Ártico.

Réplica de mamute exposta no Canadá. Esses animais tinham proporções semelhantes aos dos elefantes (foto: Tyler Ingram).

Os fósseis dos mamutes, portanto, não estão propriamente mineralizados, ou seja, não foram transformados em rocha. Foram congelados e, por conta disso, muitas vezes a matéria orgânica manteve-se preservada. Isto é: além dos ossos, podemos encontrar os pelos, os músculos e até mesmo órgãos internos, como cérebro, estômago e intestino.

Seria, então, possível comermos a carne de um mamute, já que esse animal ficou tão bem preservado ao longo do tempo? Existem várias histórias que dizem que isto já aconteceu. O que podemos garantir é que a carne de um bisão — um tipo de boi com longos pelos da época dos mamutes —, encontrado congelado, foi experimentada por alguns paleontólogos da Universidade do Alasca. Ninguém passou mal e, segundo eles, o filé de bisão parecia com carne seca.

Aqui você vê um bisão atual. Um animal parecido com esse, mas que viveu há milhares de anos, serviu de refeição para um grupo de cientistas (foto: United States Department of Agriculture).

E você? Teria coragem de comer um bife de mamute? Para testar sua coragem, comece com um picolé de alface. Se você passar neste teste, com certeza o acompanhamento de um filé de mamute será um manjar inesquecível e que ficará congelado no tempo de suas memórias de criança.

 

Matéria publicada em 10.12.2010

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Ismar de Souza Carvalho de Souza Carvalho

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