Infância de outros tempos

Às vezes eu fecho os olhos e fico só imaginando como era ser criança em outra época. Antes que você pense qualquer coisa, eu lembro direitinho de quando eu era criança! E lembro também que gostava de brincar de imaginar como seria a vida em outros tempos: nos tempos em que as meninas não jogavam futebol e os meninos só usavam roupa preta ou branca…

Ou, então, no tempo em que havia crianças livres e crianças escravas, as escravas, às vezes, brincando com as livres – nem sempre porque queriam, mas porque eram obrigadas. Era o trabalho delas: isso acontecia em muitas fazendas de açúcar e café. Para os sinhozinhos não ficarem sozinhos com seus cavalinhos e suas bonecas, lá iam os pequenos escravos brincar com eles. E vocês imaginam de quê? De senhor e escravo, claro!

Meninos brincando de soldados

“Meninos brincando de soldados”, quadro de Jean-Baptiste Debret

É muito difícil, hoje, sabermos de verdade como era a vida das crianças escravas no Brasil. Elas moravam com seus pais? Até que idade podiam passar o dia com suas mães? Quando deviam começar a trabalhar nas plantações ou nas minas de ouro e diamantes?

Mesmo havendo poucos documentos sobre a vida das crianças escravas, alguns autores escreveram sobre o assunto, com base em estudos e também em suas próprias lembranças de infância. Foi o que fez um dos autores mais importantes do Brasil, Gilberto Freyre.  Em seu livro Casa Grande & Senzala, em vários momentos ele menciona sua infância, passada no interior de Pernambuco no início do século 20, não muito tempo depois da abolição da escravidão.

Lendo livros como o de Freyre, descobrimos que as meninas escravas faziam suas próprias bonecas com retalhos e roupas velhas.  Cada uma pegava um pedaço de pano e recheava com bastante palha. Depois, faziam olhos, narizes e bocas com sementes e caroços de frutas. Quando se cansavam de inventar histórias, brincavam de roda, ou então de belisco, cantando assim:

Uma, duas angolinhas
Finca o pé na pampolinha
O rapaz que jogo faz?
Faz o jogo do capão.
O capão, semicapão,
Veja bem que vinte são
E recolha o seu pezinho
Na conchinha de uma mão
Que lá vai um beliscão!

Na hora do “lá vai um beliscão”, tinham que correr para beliscar quem estivesse do lado, gritando com toda força:

 É de rim-fon-fon,
É de rim-fon-fon.
Pé de pilão,
Carne-seca com feijão.

E ai de quem estivesse no meio do caminho! Em brincadeiras como esta, às vezes juntavam-se as crianças livres e escravas. É de imaginar quem beliscava, e quem levava o beliscão…

Matéria publicada em 30.11.2012

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Keila Grinberg

Quando criança, gostava de visitar a Biblioteca Nacional, colecionar jornais antigos e ouvir histórias da época de seus avós. Não deu outra: hoje é historiadora e escreve para a coluna Máquina do tempo.

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