De volta à cidade de Lassance, Carlos Chagas começou a procurar animais infectados pelo Trypanossoma cruzi, o parasita encontrado no barbeiro. Afinal, até então, os bichos que ele havia estudado tinham sido infectados por esse protozoário em laboratório. Em abril de 1909, o médico realizou uma série de testes em animais da cidade e logo achou um gato com o Tripanosoma cruzi.
No mesmo mês, exatamente no dia 14, Carlos Chagas também encontraria uma pessoa infectada pelo protozoário: a menina Berenice, de dois anos de idade. Ela tinha febre e marcas no olho, onde o parasita do barbeiro havia penetrado. Testes em seu sangue confirmaram a presença do Tripanosoma cruzi e a doença de Chagas.
O caso de Berenice foi logo anunciado para o mundo todo. Afinal, estava comprovado que uma nova doença que atingia os seres humanos havia sido identificada. Carlos Chagas tinha percorrido um caminho incomum até chegar a ela. Em geral, primeiro é descoberta a doença e, só depois, a sua causa e a forma com que é transmitida. Daí porque o trabalho do brasileiro recebeu atenção internacional. “Na época, o Brasil ficou mais conhecido lá fora pela descoberta de Chagas do que pelos sambas de carnaval”, brinca o médico José Rodrigues Coura, da Fundação Oswaldo Cruz.
Ontem e hoje
A doença de Chagas havia sido descoberta no Brasil. Mas Carlos Chagas levantou uma hipótese importante: segundo ele, onde houvesse o barbeiro, deveria existir a moléstia. “Isso abriu caminho para que se começasse a pesquisar e combater a doença em outros locais”, conta José Coura.
Cem anos após a sua descoberta, a doença de Chagas atinge toda a América Latina, do México ao Chile. Para evitar que a moléstia se espalhe, usam-se, hoje, inseticidas contra o barbeiro.
Prevenir a doença, aliás, é muito importante. Isso porque ela tem uma primeira etapa, que dura de dois a quatro meses, em que os médicos conseguem curar 80 de cada 100 doentes. Em uma segunda fase, porém, a história é diferente…
Nesse estágio, o Trypanossoma cruzi danifica órgãos como coração, intestino, esôfago e, de cada 100 pacientes, apenas cerca de 20 são curados. Muitos têm, então, que conviver com a doença pelo resto da vida.
Isso acontece porque ainda não há um tratamento que funcione totalmente contra a moléstia. Mas o médico José Coura explica que nem todos os pacientes morrem por causa da doença de Chagas. Lembra a Berenice, a menina que teve a doença descoberta aos dois anos por Carlos Chagas? Ela viveu até os 72 anos de idade!
Muito além da picada do barbeiro
A má notícia é que, se Berenice ficou doente porque foi picada pelo barbeiro, hoje se sabe que há uma outra possibilidade de contrair a doença de Chagas: pela boca, ao ingerir sucos, por exemplo. Isso ocorre quando barbeiros são triturados junto com as frutas na hora de preparar a bebida. “Portanto, não se pode simplesmente pegar frutas no campo e comer alimentos crus sem prestar atenção na higiene”, alerta José Coura. Cuidado é fundamental. Afinal, Carlos Chagas fez um trabalho e tanto ao descobrir a doença que leva o seu sobrenome, mas aposto que adoraria ver que não há mais ninguém com seus sintomas por aí!