O senhor dos anuros

Na cidade de Botucatu, no interior de São Paulo, vivia um garoto chamado Werner Carlos Augusto Bokermann. Desde bem pequeno, ele tinha um grande gosto pela natureza, especialmente pelos animais. O interesse era tanto que, após concluir o ensino médio, Werner procurou emprego no Museu de Zoologia, na capital paulista.

Lá, o jovem começou como servente de limpeza. Graças à sua dedicação, não demorou muito para virar auxiliar de herpetologia – área da biologia que estuda os anfíbios e répteis. Anos depois, quem diria!, Bokermann se tornou o maior especialista em anfíbios brasileiros do seu tempo, e descobriu muitas espécies novas de anuros – grupo que inclui sapos, rãs e pererecas.

Werner Bokermann quando criança e já adulto, em busca de anfíbios. Durante sua carreira ele descobriu quase 70 espécies novas de anfíbios. Mas não parou por aí: ele ainda nomeou mais de 40 espécies de besouros e foi chefe do setor de aves do Zoológico de São Paulo. Quanta coisa, não?  (fotos: Acervo da família Bokermann)

Werner Bokermann quando criança e já adulto, em busca de anfíbios. Durante sua carreira ele descobriu quase 70 espécies novas de anfíbios. Mas não parou por aí: ele ainda nomeou mais de 40 espécies de besouros e foi chefe do setor de aves do Zoológico de São Paulo. Quanta coisa, não? (fotos: Acervo da família Bokermann)

Quando encontrava uma nova espécie, Bokermann costumava lhe dar o nome de algum amigo ou colega de trabalho. Foi assim com dezenas de animais, incluindo alguns do gênero Dendropsophus – “que faz barulho na árvore”, em grego. Dendropsophus berthalutzae e Dendropsophus schubarti, por exemplo, são homenagens de Bokermann a dois outros zoólogos brasileiros, Bertha Lutz e Otto Schubart.

As pequeninas pererecas <i>Dendropsophus berthalutzae</i> (à esquerda) e <i>Dendropsophus schubarti</i> (à direita) medem cerca de 2 centímetros e foram descobertas por Werner Bokermann na década de 1960. A primeira é encontrada na Mata Atlântica, e a outra, na Amazônia. (fotos: Leandro O. Drummond e Paulo Roberto Melo-Sampaio)

As pequeninas pererecas Dendropsophus berthalutzae (à esquerda) e Dendropsophus schubarti (à direita) medem cerca de 2 centímetros e foram descobertas por Werner Bokermann na década de 1960. A primeira é encontrada na Mata Atlântica, e a outra, na Amazônia. (fotos: Leandro O. Drummond e Paulo Roberto Melo-Sampaio)

Às vezes, ao nomear uma espécie, Bokermann preferia sugerir onde ela vivia, ou alguma característica que possuía. É o caso de Sphaenorynchus palustris (“brejo, pântano”, em grego) e Sphaenorhynchus prasinus (“verde-claro”, em grego). Tente adivinhar o porquê desses nomes!

As rãzinhas-limão pertencem ao gênero <i>Sphaenorhynchus</i> – “focinho em forma de cunha”, em grego. <i>Sphaenorhynchus palustris</i> (à esquerda) e <i>Sphaenorhynchus prasinus</i> (à direita) foram descobertas por Werner Bokermann em 1966 e 1973. (fotos: João Victor A. Lacerda e Tiago L. Pezzuti)

As rãzinhas-limão pertencem ao gênero Sphaenorhynchus – “focinho em forma de cunha”, em grego. Sphaenorhynchus palustris (à esquerda) e Sphaenorhynchus prasinus (à direita) foram descobertas por Werner Bokermann em 1966 e 1973. (fotos: João Victor A. Lacerda e Tiago L. Pezzuti)

A contribuição de Werner Bokermann para o nosso conhecimento sobre os anfíbios brasileiros é tão grande que um gênero de pererecas que só ocorre no Brasil ganhou seu nome: Bokermannohyla, “perereca de Bokermann” em grego. Hoje, são conhecidas mais de 30 espécies deste gênero, como a Bokermannohyla itapoty (“líquen”, em tupi) e a Bokermannohyla flavopicta (“pintada de amarelo”, em latim).

<i>Bokermannohyla itapoty</i> e <i>Bokermannohyla flavopicta</i> são duas espécies de pererecas encontradas na Chapada Diamantina, Bahia. Não foram descobertas por Werner Bokermann, mas levam seu nome como homenagem. (fotos: Leandro O. Drummond)

Bokermannohyla itapoty e Bokermannohyla flavopicta são duas espécies de pererecas encontradas na Chapada Diamantina, Bahia. Não foram descobertas por Werner Bokermann, mas levam seu nome como homenagem. (fotos: Leandro O. Drummond)

Não foi só dos pesquisadores de anfíbios que Bokermann recebeu homenagens.  Uma espécie de passarinho conhecida como soldadinho-do-araripe (Antilophia bokermanni) e uma espécie de morcego-beija-flor (Lonchophylla bokermanni) – um morcego que se alimenta de néctar! – também receberam seu nome.

Um pássaro e um morcego em homenagem a Werner Bokermann. <i>Antilophia bokermanni</i> (à esquerda) é encontrada apenas na Chapada do Araripe, Ceará. Seu topete vermelho dá nome ao gênero <i>Antilophia</i> – “crista diferente”, em grego. <i>Lonchophylla bokermanni</i> (à direita) habita a Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Uma estrutura em forma de folha em seu focinho é a origem do nome <i>Lonchophlla</i> – “folha em forma de lança”, em grego. (fotos: Wikipedia e Ivan Sazima)

Um pássaro e um morcego em homenagem a Werner Bokermann. Antilophia bokermanni (à esquerda) é encontrada apenas na Chapada do Araripe, Ceará. Seu topete vermelho dá nome ao gênero Antilophia – “crista diferente”, em grego. Lonchophylla bokermanni (à direita) habita a Serra do Espinhaço, em Minas Gerais. Uma estrutura em forma de folha em seu focinho é a origem do nome Lonchophlla – “folha em forma de lança”, em grego. (fotos: Wikipedia e Ivan Sazima)

E tudo isso começou com um garotinho de Botucatu, curioso por aprender mais sobre a natureza…

Matéria publicada em 01.05.2015

COMENTÁRIOS

  • Marcelo Bokermann

    Adorei a reportagem, fico feliz em ver essa homenagem ao meu pai. Por esses dias estamos publicando um livro que conta sobre a vida e obra dele. Obrigado por tudo. Abraço. Marcelo Bokermann

    Publicado em 5 de janeiro de 2022 Responder

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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