Van Gogh: a loucura de um pintor

“A pintura está na minha pele.” Era assim que Vincent William van Gogh, um dos maiores pintores do século 19, referia-se a sua paixão. Sua vida foi marcada por crises de loucura e seu trabalho, pelo amor aos pobres. Somente depois de sua morte é que o pintor foi reconhecido. Atualmente o mundo comemora os 150 anos de seu nascimento: vamos conhecer um pouquinho mais sobre ele?

Neste Auto-retrato de 1887/8 pintado em Paris, nota-se a influência da técnica impressionista, com pinceladas curtas e irregulares

Van Gogh nasceu em Groot-Zundert, na Holanda, a 30 de março de 1853, no dia em que seu irmão de mesmo nome havia falecido no ano anterior. Quando criança, teve uma educação rígida — seu pai era pastor — e dificuldade em fazer amigos. Aliás, seu único amigo foi o irmão mais novo, Theo, que o sustentou financeiramente nos últimos anos de vida. Aos onze anos, ele deu um desenho ao pai de presente de aniversário, mas nem imaginava que um dia se tornaria um pintor! Aos quinze, foi trabalhar como vendedor numa galeria que negociava objetos de arte.

Em 1873, van Gogh foi transferido para as filiais de Londres e Paris da galeria, mas não estava feliz. Inquieto, resolveu buscar novos caminhos, e decidiu que se tornaria pastor, como o pai. Assim, voltou à Holanda para estudar teologia, mas foi reprovado em 1878. Mesmo assim, partiu para a Bélgica com o objetivo de evangelizar os trabalhadores de uma mineração de carvão.

Nessa época, van Gogh conheceu a extrema pobreza e começou a viver com os pobres: dava dinheiro a eles, tratava de seus ferimentos, visitava os doentes e lia a Bíblia para eles. Em meio a tudo isso, ele começou a desenhar para expressar o que sentia pelas pessoas. Mas, por achar que as atitudes de van Gogh com relação aos pobres eram exageradamente sentimentais, seus superiores o demitiram.

Logo depois, outro fato desagradável ocorreu a van Gogh: ele tentou suicídio por um amor não correspondido. Refeito desse episódio, mudou-se para Paris em 1886, para morar com Theo, e conheceu pintores como Claude Monet e Auguste Renoir. Na capital francesa, ele pintou mais de duzentos quadros com a ajuda financeira do irmão.

Quarto de van Gogh em Arles (1889). Este era o quarto do pintor na Casa Amarela, em que morava com Paul Gauguin. A pintura mostra a sua necessidade de ter um lugar seu, de reflexão e trabalho.

Em 1888, decidiu mudar-se para Arles, no sul da França onde, segundo ele, havia mais cor, mais sol. Van Gogh convidou seu amigo Paul Gauguin, também pintor, para morar com ele num estúdio batizado de Casa Amarela. Mas os dois não se entenderam! Nas discussões, sempre sobre quadros, van Gogh se irritava porque Gauguin não concordava com ele, e vice-versa!

No dia 23 de dezembro do mesmo ano, Gauguin teve uma briga feia com van Gogh. Antes de sair para dormir num hotel, Gauguin viu van Gogh com uma faca na mão. Na manhã seguinte, soube que ele havia cortado um pedaço de sua própria orelha e a enviado num envelope para uma amiga! Cada vez mais se manifestava a loucura do pintor…

Em maio de 1889, van Gogh pediu a seu irmão que o internasse no hospício de Saint-Rémy, na região de Provença, para tentar recuperar a própria confiança. A única condição que impôs para ficar recluso era poder continuar a pintar, mas a falta de liberdade e de modelos para sua pintura o deixaram inquieto novamente. Com isso, Theo tira o irmão do hospício e pede para o doutor Gachet, um grande amigo dos pintores da época, cuidar de van Gogh.

À esq., Auto-retrato com orelha enfaixada e cachimbo , pintado em 1889 após a crise em que van Gogh cortou parte de sua orelha. À dir., Retrato do doutor Gachet (1890), médico que cuidou do pintor em seus últimos meses de vida

Na casa do médico, na cidade francesa de Auvers, o pintor deslumbrou-se com as paisagens da cidade e voltou a viver mais feliz. Mas a alegria durou pouco. Van Gogh se desentendeu com Gachet, descobriu que o irmão estava com dificuldades financeiras e percebeu que sua loucura era incurável. Um dia, enquanto pintava ao ar livre, deu um tiro no peito. Quarenta e oito horas depois, a 29 de julho de 1890, morria o grande pintor.

O estilo van Gogh
Nem impressionista, nem expressionista: o artista definiu sua própria forma de pintar

A maioria dos pintores quase sempre pertence a uma escola de pintura, segundo determinado estilo. Mas não foi isso que aconteceu com Vincent van Gogh! Suas pinceladas praticamente ‘falavam’ o que ele estava sentindo e pensando. Com isso, ele pôde ser considerado um pintor pós-impressionista ou pré-expressionista. Que confusão! Pois assim foi a vida de van Gogh!

Pós-impressionismo
O termo pós-impressionista foi criado pelo crítico inglês Roger Fry para representar os pintores que, primeiramente, se ligaram ao impressionismo, na França do século 19, mas que depois rejeitaram as limitações do movimento e buscaram, assim, uma maior liberdade de expressão. Alguns pintores pós-impressionistas são Paul Cézanne, Paul Gauguin e Henri de Toulouse-Lautrec. Ao contrário dos impressionistas, eles pintavam sozinhos, porém expunham seus quadros em conjunto.

As estrelas eram uma das grandes motivações das pinturas de van Gogh, como vemos em Noite estrelada , de 1889. Ele disse certa vez: "Quero expressar a esperança por meio de alguma estrela".

Logo depois de ter sido expulso da missão de evangelizar os mineradores de carvão na Bélgica, van Gogh sentiu que havia encontrado sua vocação e começou a retratar esses trabalhadores humildes por meio da pintura. Seus primeiros desenhos são marcados por linhas e formas fortes, e cores tristes e sombrias. Ele, que sempre buscava mostrar o que sentia em seus quadros, queria demonstrar seu sentimento por aquelas pessoas comuns, de vida sofrida.

Os comedores de batatas (1885). Como os outros quadros feitos por van Gogh na mesma época, essa tela tem tons escuros e pesados e retrata os sentimentos do pintor pelos pobres trabalhadores das minas de carvão

Van Gogh utilizou cores escuras até descobrir, pelo irmão Theo, o estilo impressionista, caracterizado por cores puras e brilhantes, pela liberdade e por pinceladas curtas. Seus quadros tornaram-se mais luminosos e alegres! Com isso, ele pode ser considerado também um fauvista . Porém, logo ignorou a objetividade do estilo em busca de algo mais pessoal.

Fauvismo
Em 1906, dois pintores chamados Maurice Vlaminck e Henri Matisse apresentaram uns quadros de cores muito fortes, e um crítico os definiu como ‘fauves’, que quer dizer “fera selvagem” em francês. Assim, os pintores que utilizavam cores fortes e puras, diretamente como a tinta saía do tubo, foram chamados de fauvistas. Van Gogh, por exemplo, pintava tão rápido que nem dava tempo de misturar as cores!

Estava iniciado o estilo van Gogh de pintar! Ele adotou pinceladas mais curvas e vibrantes, e seus quadros tornaram-se mais expressivos. Isso até conhecer a arte japonesa, que estava na moda em Paris, em que as cores eram bem vivas e os desenhos, limitados na sua forma. Para se ter uma idéia do fascínio de van Gogh por essa arte, entre os anos de 1886 e 1888, ele e seu irmão compraram 530 obras de pintores japoneses!

A cor preferida de van Gogh era o amarelo. O que começou com pontinhos foi se tornando um grande sol, que não podia deixar de aparecer em suas telas. Ele pintou a noite e as estrelas somente em 1888! Como ele dizia, “é um sol, uma luz, que eu só posso chamar de amarelo, porque não tem outra palavra… Como o amarelo é lindo!”

Girassóis eram um dos temas prediletos de van Gogh (como se vê na tela acima, de 1889), talvez porque ele pudesse usar em abundância sua cor predileta!

Alguns críticos classificam o pintor como um precursor do expressionismo, por causa de sua pintura bem estruturada, com linhas nítidas e desenhos definidos, coloridos. É como se ele realmente “expressasse” um sentimento, uma intenção: a de retratar sua visão sobre as coisas.

Quando foi para Auvers, em 1889, van Gogh foi tomado por uma grande satisfação e alegria, e seus quadros tornaram-se mais vivos, sem violência. Mas logo a depressão voltou a tomar conta de sua mente. Já no hospício Saint-Rémy, oprimido pela falta de liberdade, seu estilo tornou-se mais movimentado, com desenhos ondulados e formas retorcidas, exprimindo a sua angústia.

Além de quadros que retratavam sua visão das coisas, van Gogh também pintou muitos auto-retratos, dos quais 35 são conhecidos. “Dizem, e creio, que é difícil conhecer a si mesmo, mas também não é fácil pintar a si mesmo”. Van Gogh deixou para a humanidade uma riqueza incontável, em apenas dez anos de pintura. Foi realmente um grande mestre, felizmente reconhecido, um dia!

Matéria publicada em 01.04.2003

COMENTÁRIOS

  • Antonio Da Silva Ribeiro

    Podemos dizer que Van Gogh era um craque ele era realmente muito bom no que fazia

    Publicado em 8 de dezembro de 2020 Responder

  • Marina

    Grande alma que pintava o amor,seus conflitos internos ficaram gravados em sua obra,viveu com tanta intensidade que teve reações incompreensíveis aos “normais,”

    Publicado em 17 de março de 2022 Responder

    • Cid

      Perfeito.

      Publicado em 20 de julho de 2022 Responder

  • Emilly

    Ele queria a libertação dele mesmo. Ele pintava com a alma, amo o jeito em que ele retrata tudo em que viveu intensamente, em pintura, Pena que não foi reconhecido em vida. Free as van gogh sunflowers!!! ?

    Publicado em 20 de março de 2022 Responder

  • Adrielly Herlen

    Van Gogh era um gênio incompreendido como muitos na história, era intenso, visceral, pintava com as mãos e com a alma. Um dos homens mais complexos e insanamente brilhantes, as obras dele são realistas, a vida dele é complicada, cheia de dor, angústia e sofrimento, mas apesar de tudo conseguiu criar um universo, que finalmente está ascensão.

    Publicado em 23 de maio de 2022 Responder

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Juliana-Martins

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