O olho do gigante e a tromba do elefante

As lendas da Grécia antiga estão repletas de heróis valentes, deuses poderosos e monstros terríveis. Uma dessas histórias conta como Odisseu – também conhecido como Ulisses – retornou para a cidade de Ítaca depois da famosa guerra de Tróia.

Odisseu e seus soldados passaram por muitos apuros no caminho de volta. Uma vez, ancoraram os barcos em uma ilha para procurar alimentos e acabaram na caverna do ciclope Polifemo, um gigante com um único olho bem no meio da cabeça. Alguns companheiros de Odisseu acabaram devorados pelo monstrengo!

O ciclope (“olho redondo”, em grego) chamado Polifemo foi apenas um dos muitos desafios que Odisseu e seus companheiros enfrentaram durante a volta para casa. (imagem: Domínio Público)

O ciclope (“olho redondo”, em grego) chamado Polifemo foi apenas um dos muitos desafios que Odisseu e seus companheiros enfrentaram durante a volta para casa. (imagem: Domínio Público)

As aventuras de Odisseu são contadas no poema “Odisséia”, escrito cerca de 2,8 mil anos atrás por Homero. Naquele tempo, os gregos acreditavam que os ciclopes existiram de verdade, em um passado remoto. Será?

A explicação é que de vez em quando alguém encontrava restos de esqueletos no interior de cavernas, com um crânio que possuía um grande orifício central. Para muitos, não restavam dúvidas: eram os ossos de um ciclope.

Algumas regiões ficaram famosas por conta desses esqueletos, como a ilha da Sicília, na atual Itália. Muita gente afirmava que um dos crânios encontrados por lá era do próprio Polifemo.

Mas a verdade é outra, embora, ainda assim, instigante. Os ossos encontrados em cavernas gregas e italianas não pertenciam a ciclopes, mas a… Elefantes! Hoje, esses animais são nativos da África e do sudeste da Ásia, mas até cerca de 30 mil anos atrás habitavam a Europa. Seus parentes próximos e mais peludos, os mamutes, também viveram por lá até 12 mil anos atrás.

Crânios parecidos com este à esquerda foram encontrados em algumas cavernas do sul da Europa. Seria a prova da existência de ciclopes (estátua ao centro) em tempos passados? Nada disso. Na verdade, é o crânio de um elefante (à direita). O orifício central é onde a tromba do animal se insere e não a órbita de um olho. (fotos: Ghedoghedo / Wikipédia / <a href=http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.it> CC BY-SA 3.0 </a>; Domínio Público; Mister-E / Wikipédia / <a href=http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/deed.en> CC BY 2.0 </a>)

Crânios parecidos com este à esquerda foram encontrados em algumas cavernas do sul da Europa. Seria a prova da existência de ciclopes (estátua ao centro) em tempos passados? Nada disso. Na verdade, é o crânio de um elefante (à direita). O orifício central é onde a tromba do animal se insere e não a órbita de um olho. (fotos: Ghedoghedo / CC BY-SA 3.0 ; Domínio Público; Mister-E / CC BY 2.0 )

Quando a civilização da Grécia antiga surgiu, elefantes e mamutes já tinham desaparecido da Europa há milhares de anos. Os primeiros gregos nunca tinham visto um elefante vivo, muito menos o esqueleto de um. Por conta disso, acabaram confundindo os ossos desses animais com os de um gigante. 

Agora, talvez você esteja se perguntando: os elefantes que viveram na Europa eram iguais aos atuais? E por que eles desapareceram?

Atualmente existem três espécies de elefantes. Duas vivem na África e a outra ocorre na Ásia. Mas, milhares de anos atrás, a família dos elefantes era maior, agregando outras espécies que viviam na Europa e pertenciam ao gênero Palaeoloxodon, que pode ser traduzido como “elefante antigo” em grego.

As três espécies atuais de elefantes pertencem aos gêneros ‘Loxodonta’ (“dente inclinado” em grego) e ‘Elephas’ (que pode significar “besta com chifres de marfim”, em grego). Na África, vivem ‘Loxodonta africana’ e ‘Loxodonta cyclotis’, enquanto a Ásia é o lar nativo de ‘Elephas maximus’ (“o maior”, em latim). Apesar do nome, o elefante asiático é menor que o africano (o primeiro atinge 2,7 metros de altura, contra 3,2 do segundo). (fotos: Ikiwaner / GFDL; Thomas Breuer / <a href=http://creativecommons.org/licenses/by/2.5/> CC BY 2.5 </a>; Vikram Gupchup / <a href= http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/> CC BY-SA 3.0 </a>)

As três espécies atuais de elefantes pertencem aos gêneros Loxodonta (“dente inclinado” em grego) e Elephas (que pode significar “besta com chifres de marfim”, em grego). Na África, vivem Loxodonta africana e Loxodonta cyclotis (“orelha redonda”, em grego), enquanto a Ásia é o lar nativo de Elephas maximus (“o maior”, em latim). Apesar do nome, o elefante asiático é menor que o africano (o primeiro atinge 2,7 metros de altura, contra 3,2 do segundo). (fotos: Ikiwaner / GFDL; Thomas Breuer / CC BY 2.5 ; Vikram Gupchup / CC BY-SA 3.0 )

Entre 780 mil a 50 mil anos atrás, o Palaeoloxodon antiquus (“antigo” em latim) viveu em algumas regiões europeias. Mas, nas ilhas próximas à costa, viviam outras espécies.

Estudos indicam que em certas épocas o nível de água dos oceanos diminuía, formando caminhos de terra do continente até as ilhas, e alguns elefantes migravam para lá. Após milhares de anos, o nível dos oceanos voltou a subir e as ilhas ficaram isoladas de novo.

Com o tempo, os elefantes ilhados acabaram se diferenciando em novas espécies, como o elefante-anão da Sicília, Palaeoloxodon falconeri. Os indivíduos desta espécie – cujo nome é uma homenagem ao paleontólogo Hugh Falconer – eram muito menores que os elefantes atuais e atingiam apenas 90 centímetros de altura. Um elefante do tamanho de um cachorro!

Esqueleto de um elefante-anão, que viveu nas ilhas italianas da Sicília e Malta, pertinho da Grécia. Durante séculos, imaginou-se que seus ossos pertencessem a um monstro lendário (foto: Ninjatacoshell / Wikipédia / <a href= http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/ > CC BY-SA 3.0 </a>)

Esqueleto de um elefante-anão, que viveu nas ilhas italianas da Sicília e Malta, pertinho da Grécia. Durante séculos, imaginou-se que seus ossos pertencessem a um monstro lendário (foto: Ninjatacoshell / Wikipédia / CC BY-SA 3.0 )

Infelizmente, nenhuma das espécies de elefantes da Europa sobrevive nos dias de hoje. Ao que tudo indica, elas não conseguiram se adaptar a mudanças que ocorreram com o passar do tempo no ambiente onde viviam e desapareceram para sempre.

Matéria publicada em 05.12.2014

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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