Sapo cururu, na beira do rio…

Tão logo escurece nos brejos, um som se faz ouvir e se repete noite afora. “Cururururururu!”. Assim coaxam alguns sapos que, não à toa, foram chamados de cururu pelos indígenas. Cerca de 40 espécies de cururus já foram identificadas no Brasil e a maior delas, que vive na Amazônia, é chamada pelos especialistas de Rhinella marina. Por trás desse nome, há uma curiosa e confusa história. Acompanhe…

Tudo começou no século 18 com um apotecário – espécie de farmacêutico de antigamente – chamado Albertus Seba, que vivia na Holanda. Naquele tempo, embarcações europeias navegavam pelo mundo em busca de riquezas em terras distantes.

Seba aproveitou a oportunidade para conhecer mais sobre as regiões inexploradas sem sair de casa, comprando “curiosidades” trazidas de longe por marinheiros e viajantes. Ossos, conchas, plantas, rochas e até animais empalhados eram adquiridos por ele, que, aos poucos, foi montando o maior “gabinete de curiosidades” daquele tempo.

Ilustração de 1655 mostrando um gabinete de curiosidades, onde eram apresentados ao público itens de muitas regiões do mundo. Com o tempo, os gabinetes foram desaparecendo e dando lugar aos museus de história natural, inicialmente na Europa. (ilustração: Museum Wormianum / Wikipedia / Domínio Público)

Ilustração de 1655 mostrando um gabinete de curiosidades, onde eram apresentados ao público itens de muitas regiões do mundo. Com o tempo, os gabinetes foram desaparecendo e dando lugar aos museus de história natural, inicialmente na Europa. (ilustração: Museum Wormianum / Wikipedia / Domínio Público)

Entre 1734 e 1765, as curiosidades da coleção de Seba foram apresentadas em quatro grandes livros, com centenas de ilustrações. Dentre elas, estava um sapo que, segundo o apotecário, vivia nos mares das Américas.

Alguns anos depois, em 1758, o sueco Carl Linné publicou o livro que deu início à classificação dos seres vivos como conhecemos hoje, ou seja, com um nome científico formado por duas palavras, e se baseou no texto de Seba para nomear aquela espécie de sapo, chamando-a Rana marina (“rã marinha” em latim). Além dela, outras 16 espécies de sapos, rãs e pererecas foram incluídas por Linné no gênero Rana.

Foi a partir desta ilustração publicada no livro de Albertus Seba em 1734 que Carl Linné descreveu a espécie dos cururus-gigantes. (ilustração extraída de Locupletissimi rerum naturalium thesauri accurata descriptio, de Albertus Seba)

Foi a partir desta ilustração publicada no livro de Albertus Seba em 1734 que Carl Linné descreveu a espécie dos cururus-gigantes. (ilustração extraída de Locupletissimi rerum naturalium thesauri accurata descriptio, de Albertus Seba)

Com o passar dos anos, mais e mais espécies receberam nomes científicos. Os pesquisadores notaram, então, que faria mais sentido se fossem criados vários gêneros para agrupar as diferentes espécies de anfíbios do mundo de acordo com suas semelhanças.

Assim, apenas algumas espécies de rãs continuaram a se chamar Rana, enquanto os cururus foram transferidos para um novo gênero chamado Bufo. A palavra significa “sapo” em latim, mas pode ter surgido do alemão puffen, “inflar”, por causa do comportamento dos sapos de encherem os pulmões para se defender, parecendo maiores do que realmente são.

Então, Rana marina virou Bufo marinus. Mas por que hoje a espécie é chamada Rhinella marina?

Os cururus da espécie <i>Rhinella marina</i> estão entre os maiores sapos do mundo, podendo atingir 25 centímetros de comprimento. São originários do sul dos Estados Unidos, América Central e Amazônia, mas foram introduzidos pelo ser humano em ilhas do Caribe, do Pacífico e na Austrália, onde são considerados pragas. (foto: Brian Gratwicke / Flickr / <a href=http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/br/>CC BY 2.0</a>)

Os cururus da espécie Rhinella marina estão entre os maiores sapos do mundo, podendo atingir 25 centímetros de comprimento. São originários do sul dos Estados Unidos, América Central e Amazônia, mas foram introduzidos pelo ser humano em ilhas do Caribe, do Pacífico e na Austrália, onde são considerados pragas. (foto: Brian Gratwicke / Flickr / CC BY 2.0)

O gênero Rhinella foi criado pelo austríaco Leopold Fitzinger em 1826 para incluir algumas espécies de sapos com um focinho longo e fino. Daí a origem do nome, que é uma mistura de grego e latim, significando “narizinho”.

Alguns anos atrás, pesquisas com dados de DNA mostraram que os cururus de nariz curto da América do Sul, como o Bufo marinus, são mais aparentados evolutivamente com esses sapos de focinho comprido e afilado – e que também vivem por aqui – do que com os demais sapos do resto do planeta. Assim, o nome Bufo passou a ser usado apenas para algumas espécies do Velho Mundo, enquanto que os nossos cururus agora pertencem todos ao gênero Rhinella.

O nome <i>Rhinella</i> originalmente incluía espécies como esta da foto, <i>Rhinella proboscidea</i>, nativa da Amazônia, cujos indivíduos medem menos de 6 centímetros. (foto: Diego J. Santana)

O nome Rhinella originalmente incluía espécies como esta da foto, Rhinella proboscidea, nativa da Amazônia, cujos indivíduos medem menos de 6 centímetros. (foto: Diego J. Santana)

Como você já deve ter reparado, o nome Rhinella marina é usado para animais que não possuem um focinho longo e fino, nem vivem no mar. Então, por que continuar a chamá-los assim? Simplesmente porque existem regras internacionais definidas pelos pesquisadores que não permitem alterar o nome por motivos como esse.

Algo parecido acontece conosco. Por exemplo, um rapaz chamado Bruno – nome que tem origem em brūn (“marrom” em alemão antigo) – não pode trocar de nome simplesmente por ser loiro. E, assim, nossos cururus-gigantes permanecem com seu nome esquisito!

Matéria publicada em 10.10.2014

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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