O general e as bandeirinhas

Ainda não eram sete horas da manhã e já nos encontrávamos todos enfileirados em frente à escola. O sol prenunciava um dia nada fácil. Teve início, então, nossa caminhada de seis quilômetros em direção à estrada onde o presidente passaria. Todos nós, cada um com uma pequena bandeira do Brasil, marchávamos ao ritmo de um tambor rumo ao cumprimento de nosso dever cívico.

Sacudir bandeirinhas: este era nosso “dever cívico” para com o Brasil. Ficávamos horas no sol, esperando um presidente que jamais era visto (Foto: Elza Fiuza / Agência Brasil / CC BY 3.0)

Sacudir bandeirinhas: este era nosso “dever cívico” para com o Brasil. Ficávamos horas no sol, esperando um presidente que jamais era visto (Foto: Elza Fiuza / Agência Brasil / CC BY 3.0)

Sim, dever cívico. Naquela época, em que os generais eram empossados presidentes do Brasil, era dever cívico colocar as crianças dos seis aos dez anos para caminhar no sol, aguardar algumas horas em pé e voltar para casa, sem direito a um único copo d’água.

Um copo d’água era tudo o que eu queria naquele dia. Chegar até a beira da estrada não foi difícil. Já esperar… Nem sentar era permitido. Uma, duas, três horas, e nada de o carro do presidente passar. Água, água, água – era o que eu e todos os meus colegas desejávamos. Mas não tínhamos água, nem sombra fresca. Apenas restava-nos o sol a pino fritando nossos miolos.

Em momentos como este, nos lembramos da importância da água. Tudo o que é vivo depende dela! Nós mesmos somos formados por 80% de água – é ela que ajuda no funcionamento dos órgãos e possibilita que eliminemos as impurezas do corpo. Apesar de nosso planeta se chamar Terra, bem que poderia se chamar Água, já que mais de 70% de sua superfície é coberta por ela.

Hoje a Terra é, em boa parte, coberta de água. Mas nem sempre foi assim. Há 4,4 bilhões de anos, as águas dos primeiros oceanos se originaram do escape de vapor das rochas derretidas e do gelo transportado pelos cometas (Foto: Nasa)

Hoje a Terra é, em boa parte, coberta de água. Mas nem sempre foi assim. Há 4,4 bilhões de anos, as águas dos primeiros oceanos se originaram do escape de vapor das rochas derretidas e do gelo transportado pelos cometas (Foto: Nasa)

Nem sempre foi assim. Nos momentos iniciais de formação da Terra, todas as rochas se encontravam totalmente fundidas e não existia qualquer vestígio de água no estado líquido. Há cerca de quatro bilhões e quatrocentos milhões de anos, devido ao impacto de grandes asteroides, ocorreu a formação de uma atmosfera muito diferente da atual. Ela era formada por dióxido de carbono, hidrogênio e vapor d’água.

Com o progressivo resfriamento da parte superficial da Terra, o vapor começou a se condensar, formando os primeiros oceanos. Outra fonte para as primeiras águas de nosso planeta vinha diretamente do espaço: os cometas transportavam água sob a forma de gelo e, ao se chocarem com a Terra, incorporavam essas águas aos oceanos em formação.

Um copo d’água. Água que vem do resfriamento das rochas da Terra. Ah! E, se fosse um copo d’água com origem nos cometas, bem gelada. Melhor ainda. Eu já estava delirando de sede! Nesse momento, um soldado gritou: “Sacudam as bandeirinhas! Sacudam as bandeirinhas! Lá vem o carro do presidente”. Como um cometa em rota de colisão com a Terra, o carro passou por nós. Janelas fechadas, escuras, sem um único aceno.

Descobri, ainda criança, que o melhor aceno para nossas vidas é conhecer o mundo em que vivemos. Lembrem-se disso, e vocês terão cumprido de maneira exemplar o dever cívico de marchar pelo Brasil.

Matéria publicada em 09.08.2013

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Ismar de Souza Carvalho de Souza Carvalho

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