De monstro a belo animal

Diz a lenda que, no lago grego de Lerna, vivia um temível monstro em forma de serpente com nove cabeças, chamado Hidra. Um dia, o herói Héracles (também conhecido como Hércules) foi enviado pelo rei Euristeu para derrotar a criatura. Mas a tarefa não era fácil: toda vez que uma cabeça da Hidra era cortada, duas surgiam em seu lugar.

Cerâmica grega de 2500 anos de idade, representando a batalha entre Héracles e Iolau contra a Hidra de Lerna. (foto: Wolfgang Sauber / Wikimedia Commons)

Cerâmica grega de 2500 anos de idade, representando a batalha entre Héracles e Iolau contra a Hidra de Lerna. (foto: Wolfgang Sauber / Wikimedia Commons)

A batalha parecia perdida, até que Héracles e seu sobrinho Iolau, que o ajudava, tiveram uma ideia. Assim que o herói arrancava uma cabeça do monstro, Iolau queimava a ferida para que outras não surgissem. Por fim, a última cabeça, imortal, foi cortada e enterrada sob um rochedo. E, assim, a Hidra de Lerna foi derrotada.

A lenda da Hidra de Lerna está por trás do nome de um grupo de animais pequeninos, nada monstruosos, mas muito interessantes, pertencentes ao gênero Hydra, que ocorre em todos os continentes exceto a gelada Antártica. Assim como a criatura mitológica, as hidras são capazes de regenerar partes perdidas de seu corpo.

<i>Hydra viridissima</i> foi a primeira espécie de hidra brasileira a ser descrita, em 1766. Sua cor verde é resultado da presença de algas unicelulares dentro de seu corpo. Esse relacionamento, chamado simbiose, traz vantagem para as duas espécies: as algas ganham proteção das hidras, e estas recebem nutrientes das algas. (foto: Wikimedia Commons)

Hydra viridissima foi a primeira espécie de hidra brasileira a ser descrita, em 1766. Sua cor verde é resultado da presença de algas unicelulares dentro de seu corpo. Esse relacionamento, chamado simbiose, traz vantagem para as duas espécies: as algas ganham proteção das hidras, e estas recebem nutrientes das algas. (foto: Wikimedia Commons)

Com cerca de 1,5 centímetro de comprimento, esses bichos vivem em lagoas, poças e riachos de águas limpas. Seu corpo cilíndrico possui, na extremidade inferior, uma estrutura chamada disco basal, que fixa o animal a raízes, ramos de plantas e outras superfícies.

Na extremidade superior se localiza a boca, cercada por quatro a dez tentáculos. Os tentáculos, por sua vez, são repletos de células especiais chamadas cnidócitos (“células de urtiga” em grego), que liberam toxinas usadas pelas hidras para capturar outros pequenos animais dos quais se alimentam.

<i>Hydra salmacidis</i> foi descoberta por pesquisadores em um riacho artificial na Universidade de São Paulo. As hidras encontradas lá vinham sendo utilizadas em aulas práticas do curso de Biologia, até que os professores, ao estudá-las com cuidado, perceberam que algumas pertenciam a uma espécie nova, nomeada em 1997. (foto: Fernanda Massaro)

Hydra salmacidis foi descoberta por pesquisadores em um riacho artificial na Universidade de São Paulo. As hidras encontradas lá vinham sendo utilizadas em aulas práticas do curso de Biologia, até que os professores, ao estudá-las com cuidado, perceberam que algumas pertenciam a uma espécie nova, nomeada em 1997. (foto: Fernanda Massaro)

Apenas quatro espécies de Hydra são conhecidas no Brasil, talvez porque faltem pesquisadores estudando estes animais por aqui. Hydra viridissima (“muito verde” em latim) é assim chamada por causa de sua cor deslumbrante. Já Hydra iheringi presta homenagem ao zoólogo brasileiro Rodolpho Theodor Wilhelm Gaspar von Ihering (1883–1939), enquanto o nome de Hydra intermedia (do latim “intermediária”) indica semelhanças desta espécie com outras.

Por fim, Hydra salmacidis faz referência a Salmacis, outra personagem da mitologia grega: uma náiade ou divindade da água, que, de tão apaixonada pelo jovem Hermafrodito, pediu aos deuses para que os dois ficassem unidos para sempre. Assim foi feito, e Hermafrodito e Salmacis foram transformados em um único indivíduo, macho e fêmea ao mesmo tempo, e o mesmo aconteceria com quem entrasse no riacho onde a náiade vivia. Ora, diversas espécies de animais, especialmente de invertebrados, possuem os dois sexos – condição chamada de hermafroditismo – e a Hydra salmacidis é uma delas!

A Hidra de Lerna não passa de um mito grego, mas nossos riachos e lagoas estão repletos de hidras de verdade, pequenas e belas. Em um país tão vasto como o Brasil, ainda há muito para se desvendar sobre estes animais, inclusive novas espécies. Quem sabe uma delas venha a ser descoberta por você?

Matéria publicada em 02.05.2014

COMENTÁRIOS

  • Gabrielle

    Brigada aprende demais

    Publicado em 6 de setembro de 2021 Responder

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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