Árvores que viajam e contam histórias

Um dos meus lugares favoritos no Rio de Janeiro, onde moro, é o Parque do Flamengo.

Tenho até uma árvore lá, a “minha arvorezinha”, assim apelidada por minha avó. Até hoje desconheço a espécie a que ela pertence. Mas sei que ela é minha porque, quando eu era pequena, minha avó dizia que aquela árvore tinha sido plantada no dia em que nasci e, portanto, que tínhamos a mesma idade: a árvore e eu.

De vez em quando, dou uma olhada na minha arvorezinha — que é baixa, tem troncos retorcidos e é boa de subir — para checar se ela continua do meu tamanho.

Pois ao fazer isso, na semana passada, fiquei surpresa ao rever outra árvore: a palmeira-do-ceilão. Há um ano, ela tinha dado flor e a flor continua lá até hoje! Foi quando eu soube que esta palmeira, que vive entre 40 e 80 anos, só dá flor uma vez na vida. Depois, ela morre.

Palmeira-do-ceilão (foto: Marise Caetano).

Ao ver a flor da palmeira-do-ceilão, fiquei pensando que essas árvores, de certa forma, contam a história do próprio Parque do Flamengo. Achou esquisito que árvores possam contar histórias? Pois estas contam. É impossível olhar para elas sem se lembrar do paisagista Burle Marx, o maior amante das árvores do Brasil, que as plantou há quase sessenta anos atrás.

Burle Marx tinha um grande desafio: decorar com plantas e árvores as pistas de alta velocidade que estavam sendo construídas para facilitar a circulação de automóveis na cidade do Rio de Janeiro. Na época, era moda trazer plantas de fora do país e ele escolheu, entre outras, as palmeiras-do-ceilão, originárias da Índia e do Sri Lanka.

 

O Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro, hoje é uma das principais áreas de lazer da cidade (foto: Márcio Cabral de Moura)

Nem preciso dizer que quem me contou tudo isso foi minha avó, ao pé da nossa arvorezinha, não é? Tudo o que sei de árvore aprendi com ela. Pois o que mais me interessou em toda aquela história foi saber que as plantas também viajam. Como? Em forma de sementes e mudas, claro! E o que ela me ensinou e até hoje acho incrível: desde o inicio da colonização do Brasil, há mais de 500 anos, viajantes, cientistas e naturalistas levam espécies de um canto a outro do mundo, para experimentar o plantio e cultivar novas espécies.

Árvores aparentemente tão brasileiras como a mangueira e bananeira, por exemplo, vieram do Sudeste Asiático. E o que dizer do coqueiro, que se espalhou por quase todas as praias do Brasil? Este também veio da Índia, trazido por colonizadores portugueses… Burle Marx estava, então, continuando uma longa tradição, ao trazer as palmeiras-do-ceilão para o Parque do Flamengo.

Minha avó só não contou de onde minha arvorezinha veio, o que me fazia crer que era o único exemplar da espécie, aquela plantada no dia em que nasci. Bem, até eu descobrir que a mesma história era contada para todos os netos. Mas… o que importa? Sei que essa árvore baixa, de troncos retorcidos e gostosa de subir continua a fazer sucesso cm as crianças até hoje!

Matéria publicada em 10.10.2010

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Keila Grinberg

Quando criança, gostava de visitar a Biblioteca Nacional, colecionar jornais antigos e ouvir histórias da época de seus avós. Não deu outra: hoje é historiadora e escreve para a coluna Máquina do tempo.

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