Caramba!

Quando você se surpreende com alguma coisa, aposto que faz uma exclamação em voz alta. Eu costumo dizer várias palavras quando presencio uma cena incrível: Nu! Renha! Nossa! Caraca! Os cientistas, quando confirmam a descoberta de uma nova espécie em campo ou no laboratório, também costumam fazer exclamações de surpresa. Alguns ficaram tão admirados que registraram essa surpresa no nome de um animal recém-descoberto. Caramba!

A <i>Paludiscala caramba</i> é uma espécie de molusco que mede poucos milímetros. Encontrada apenas em uma região do México, está ameaçada de extinção. (foto: UMMZ Mollusk Division)

A Paludiscala caramba é uma espécie de molusco que mede poucos milímetros. Encontrada apenas em uma região do México, está ameaçada de extinção. (foto: UMMZ Mollusk Division)

Na década de 1960, o malacólogo (especialista em moluscos) Dwight Taylor descobriu em um pântano do México um tipo de lesma que se parecia muito com as espécies marinhas do gênero Scala – nome que significa “escada” em latim, por conta da forma da concha. Surpreso por encontrar lesmas com esse tipo de concha num pântano, Taylor exclamou “caramba!”. Ao estudar o material com cuidado, percebeu que tinha em mãos uma espécie de um gênero ainda desconhecido. Chamou-a, então, de Paludiscala caramba – o nome do gênero quer dizer “Scala do pântano”, em latim.

Foi também no México que outro cientista, William Shear, descobriu um gênero de piolhos-de-cobra que só vive no interior de cavernas. Animado com a descoberta, Shear chamou o gênero de Caramba, em 1977. No mesmo ano, Lazar Botosaneanu descreveu uma nova espécie de inseto tricóptero (do grego “asas com pelos”) em Cuba, batizada de Ochrotrichia caramba – o nome do gênero significa “pelo ocre”, em grego.

O gênero <i>Caramba</i> é formado por espécies de piolhos-de-cobra que medem em média menos de 1 centímetro e possuem o corpo cheio de estruturas semelhantes a pelos. Nesta fotografia tirada com um microscópio, é possível ver a parte anterior do corpo de um desses bichos. (foto: William Shear)

O gênero Caramba é formado por espécies de piolhos-de-cobra que medem em média menos de 1 centímetro e possuem o corpo cheio de estruturas semelhantes a pelos. Nesta fotografia tirada com um microscópio, é possível ver a parte anterior do corpo de um desses bichos. (foto: William Shear)

Mais de 20 anos depois, o pesquisador Peter Neerup Buhl tinha um dilema: ele já havia descoberto cerca de mil espécies de vespas e precisava nomear outra, encontrada em Honduras. A nova espécie pertencia ao gênero Amblyaspis, que, em grego, quer dizer “escudo rombudo”, por causa de características do seu exoesqueleto. Inspirado pela lesma e pelos piolhos-de-cobra citados anteriormente, o pesquisador chamou a nova espécie de Amblyaspis caramba.

Para finalizar, em 2015, o cientista finlandês Ilari Sääksjärvi e sua equipe descreveram a Clistopyga caramba, espécie de vespa encontrada na Amazônia peruana. Clistopyga é um gênero conhecido há mais de 100 anos, cujo nome, em grego, significa algo como “traseiro fechado”, devido à estrutura do abdômen das fêmeas. A nova espécie encontrada no Peru é tão diferente das outras que os biólogos, ao vê-la, exclamaram “ai, caramba!”.

Muito pouco se sabe sobre a biologia das quase 40 espécies de moscas do gênero <i>Clistopyga</i>. As larvas de algumas delas se alimentam de ovos de aranhas. (foto: Zoological Museum, University of Turku / Zootaxa)

Muito pouco se sabe sobre a biologia das quase 40 espécies de vespas do gênero Clistopyga. As larvas de algumas delas se alimentam de ovos de aranhas. (foto: Zoological Museum, University of Turku / Zootaxa)

Existem algumas regras que devem ser seguidas ao se nomear um novo animal, mas nenhuma que impeça o autor de usar palavras estranhas – desde que não ofendam ninguém. Então, diga aí: você teria coragem de chamar de caramba uma espécie que descobrisse? Ou, quem sabe, de eita, vixe, lespa, vapo, uau

ATUALIZAÇÃO: Em um primeiro momento, a coluna publicou que a “Clistopyga caramba” é uma espécie de mosca. Na verdade, trata-se de uma vespa.

Henrique Caldeira Costa
Programa de Pós-Graduação em Zoologia
Universidade Federal de Minas Gerais

Matéria publicada em 09.11.2015

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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