Ave barulhenta

Em 1817, os pesquisadores alemães Johann von Spix e Carl Friedrich von Martius chegaram ao Brasil para estudar a nossa rica natureza. Bem no comecinho da viagem, na exuberante Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro, os dois ficaram deslumbrados com a diversidade de aves da floresta e com a variedade de seus cantos. Mas o som de uma espécie em particular os deixou espantados: “Acima de todas essas vozes estranhas, os tons metálicos da araponga ressoam do topo das árvores mais altas, lembrando as pancadas de um martelo na bigorna”, escreveram Spix e Martius.

As florestas da magnífica Serra dos Órgãos guardam uma grande biodiversidade, incluindo centenas de espécies de aves. (foto: Rodrigo Soldon / CC BY-ND 2.0)

As florestas da magnífica Serra dos Órgãos guardam uma grande biodiversidade, incluindo centenas de espécies de aves. (foto: Rodrigo Soldon / CC BY-ND 2.0)

A araponga observada pelos cientistas alemães é uma ave típica da mata atlântica. Bem como eles escreveram, seu canto é estridente como um martelo batendo em uma bigorna. Embora possamos ouvir o canto de uma araponga de longe, para vê-la é preciso ficar atento e olhar bem para o alto, pois a danadinha se empoleira em meio às folhas das maiores árvores da floresta.

Clique no “play” para ouvir o canto da araponga:

O barulhão que essa ave faz deu origem ao seu nome, que vem da língua tupi. Araponga parece ser uma variação de guiraponga, que quer dizer “pássaro que soa” ou “pássaro que faz barulho”. Mas os cientistas se referem a esta espécie pelo seu nome científico: Procnias nudicollis.

As arapongas se alimentam de frutas e são importantes dispersoras de sementes. Enquanto o macho tem penas brancas e o pescoço pelado e azul, a fêmea é de cor oliva a amarronzada, e por isso bem mais difícil de se ver (foto: Ben Tavner / CC BY 2.0)

As arapongas se alimentam de frutas e são importantes dispersoras de sementes. Enquanto o macho tem penas brancas e o pescoço pelado e azul, a fêmea é de cor oliva a amarronzada, e por isso bem mais difícil de se ver (foto: Ben Tavner / CC BY 2.0)

Procnias vem de Procne, personagem da mitologia grega que se transformou em uma andorinha. Ao que tudo indica, o nome Procnias teria sido criado em 1811 para o saí-andorinha, uma espécie bem diferente da araponga e que, como o nome popular já diz, se parece com uma andorinha. Porém, uma tremenda confusão dos cientistas do século 19 fez com que o nome Procnias acabasse ficando com a araponga mesmo.

Se a primeira parte do nome científico da araponga não faz jus a ela, não podemos dizer o mesmo da segunda parte. Os machos desta espécie possuem a garganta azulada e sem penas, o que deu origem ao nudicollis (“pescoço nu”, em latim) no seu nome científico.

Outras duas espécies de arapongas ocorrem no Brasil. À esquerda, <i>Procnias albus</i> (“branco”, em latim”), conhecida como araponga-da-Amazônia. À direita, a araponga-do-nordeste, <i>Procnias averano</i> (variação do português “ave do verão”, nome dado porque no século 18, quando a espécie foi descrita, pensava-se que o macho só cantava no verão). (fotos: Wikimedia Commons)

Outras duas espécies de arapongas ocorrem no Brasil. À esquerda, Procnias albus (“branco”, em latim”), conhecida como araponga-da-Amazônia. À direita, a araponga-do-nordeste, Procnias averano (variação do português “ave do verão”, nome dado porque no século 18, quando a espécie foi descrita, pensava-se que o macho só cantava no verão). (fotos: Wikimedia Commons)

Infelizmente, quando Spix e Martius visitaram o Brasil, a mata atlântica, lar da araponga, já vinha sendo derrubada há séculos. Hoje, resta bem pouco daquela que um dia foi uma imensa floresta que percorria o Brasil do nordeste ao sul. Por isso, a araponga encontra-se ameaçada de extinção em alguns estados como Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. A preservação da mata atlântica é fundamental para que o incrível canto desta ave continue sendo ouvido no futuro.

Matéria publicada em 09.09.2016

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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