Doutores do passado

De repente, você sente umas dores na barriga, um mal-estar. Os dias passam, você não melhora e decide marcar uma consulta médica. A doutora pergunta se você tem o hábito de comer frutas e vegetais, você reponde que sim e ela quer saber se você faz sempre a limpeza correta desses alimentos. Aí, você se embanana um pouco e, pelos seus sintomas, ela arrisca um palpite: você deve estar com vermes! Assim como nós, os animais na natureza também se contaminam com eles, em razão de algo que venham a comer. Aliás, isso acontece desde o passado da Terra. Mas será possível identificar doenças ou infecções de vermes que nossos ancestrais e outros animais tinham estudando seus fósseis? Isso requer uma viagem no tempo… Você vem?

Ilustração Evandro Marenda

No estado de São Paulo, há um lugar chamado Vale do Paraíba. No passado, há aproximadamente 23 milhões de anos, esse lugar abrigava um lago cercado por muitas plantas. O clima era quente e úmido. Ali viviam animais como caramujos, esponjas, insetos, crustáceos e aranhas. Peixes, anfíbios, répteis e mamíferos também ocupavam aquele ambiente, além das aves, que eram muitas! Se você estivesse caminhando pelas proximidades desse lago em um dia de Sol, provavelmente encontraria urubus voando no céu, flamingos se alimentando na água, e até algumas “aves do terror”, que chegavam a medir três metros de altura!

Algumas das aves que viveram no Vale do Paraíba eram onívoras: comiam vegetais e outros animais. Muitas delas gostavam tanto de plantas quanto de peixes e, de vez em quando, acabavam engolindo alguns insetos também. Por mais apetitosos que os peixes e os insetos pudessem ser, muitas vezes, eles estavam contaminados com vermes conhecidos como nematoides, e as aves acabavam infectadas por eles.

As aves do terror, que viveram há milhões e anos, também podiam se contaminar com vermes.
Ilustração Nato Gomes

Vermes ancestrais

Verme é o nome comum de vários grupos de invertebrados, que têm o corpo mole, fino e alongado. Eles podem se deslocar rastejando e apresentam vários tamanhos. Há vermes minúsculos, que só vemos ao microscópio, e outros com alguns metros de comprimento. Eles habitam muitos ambientes – estão no solo, no mar e até dentro de nós, humanos, e de outros animais. Há milhões de anos, os vermes já se utilizavam de hospedeiros, exatamente como nos dias atuais.

A barriga das aves era a moradia de vermes chamados nematoides. Lá, eles capturavam os nutrientes dos alimentos para se desenvolverem. Quando esses vermes se reproduziam dentro das aves, elas podiam adoecer e suas fezes ficavam cheias de ovinhos que poderiam contaminar o solo, a água e outros animais. Mas os nematoides não fazem isso porque são ruins, afinal, não existe bem e mal na natureza. Da mesma forma que nós precisamos nos alimentar e ter um lugar para viver, esses vermes também precisam.

Tamanho dos vermes nematoides que infectaram um bagre Pterodoras granulosus) da Amazônia.
Ovos microscópios de nematoides encontrados em fezes fossilizadas de aves do Vale do Paraíba.
Fotos cedidas pelos autores

Paleoparasito… o quê?!?

Muitos ovos de vermes do passado resistiram ao tempo e foram encontrados em fósseis de aves e até de humanos. Para investigar esses vestígios existe a paleoparasitologia, ciência que estuda as infecções causadas por vermes no passado encontrados em restos de animais, incluindo restos humanos. Ela surgiu no século 20, quando um cientista francês chamado Marc Armand Ruffer encontrou ovos de vermes nos rins de múmias egípcias. Ora, ora, você pensou que só dinossauros e aves viravam fósseis? Saiba que há uma infinidade deles: plantas, bichos, outros organismos e gente também.

Quem investiga todo tipo de restos e vestígios do passado são os arqueólogos, que se dedicam a estudar as culturas e os modos de vida de sociedades humanas antigas, e os paleontólogos, que estudam formas de vida muito mais antigas que viveram em nosso planeta.

Outro material muito analisado nessas pesquisas – e que é bastante curioso – são as fezes. Sim, o cocô dos animais também se fossiliza e, quando isso acontece, passa a ser chamado de coprólito. O estudo de coprólitos é muito importante, porque ajuda a descobrir o que os animais comiam no passado e com quais vermes eles estavam contaminados. Um dos registros mais antigos de vermes foi encontrado no cocô fossilizado de um tubarão que viveu há cerca de 270 milhões de anos aqui no Brasil, acredita?

Coprólito de aves do Vale do Paraíba. Escala em milímetros (mm).
Foto cedida pelos autores

Ossos e dentes

Além da paleoparasitologia, existe outra área conhecida como paleopatologia, que estuda as doenças do passado. Para descobrir as doenças que os humanos e outros animais tinham, esses especialistas se transformam em verdadeiros doutores do passado e analisam, principalmente, os ossos e os dentes fossilizados.

Às vezes, é possível também estudar os órgãos internos, mas muito raramente eles ficam preservados, como acontece com as múmias. No Brasil, há cientistas que já estudaram lesões nos ossos de dinossauros, como o titanossauro Uberabatitan ribeiroi, e até mesmo o câncer em uma preguiça gigante da espécie Nothrotherium maquinense.

Prevenir, o melhor remédio

Assim como as aves do Vale do Paraíba se contaminavam com vermes, nós também corremos esse risco no dia a dia. Para evitar que isso aconteça, é muito importante ter cuidados com a alimentação: lavar bem os alimentos, tomar sempre água filtrada e nunca comer carne crua ou malpassada. Além disso, é fundamental lavar as mãos após usar o banheiro. Ah, e sempre que quiser nadar, faça isso em locais que você ou seus familiares conheçam, porque muitas vezes a contaminação pode se dar pelo contato ou ingestão de água de locais impróprios para banho.

Outras dicas? Se não tiver certeza que suas mãos estão bem limpas, evite coçar os olhos e colocá-las na boca. É importante também consultar um(a) médico(a) com regularidade e seguir suas orientações na prevenção e no combate aos vermes, se necessário.

Gustavo Macêdo do Carmo
Programa de Pós-Graduação em Parasitologia
Universidade Federal de Minas Gerais
Felipe Bisaggio Pereira
Departamento de Parasitologia
Universidade Federal de Minas Gerais

Matéria publicada em 01.04.2024

COMENTÁRIOS

  • Maria da Graça Moraes Braga Martin

    Adorei!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    Publicado em 9 de abril de 2024 Responder

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