Alice no país da biologia

Num dia quente e ensolarado, a pequena Alice se sentava à beira do rio com sua irmã que, por sua vez, lia um livro bem chato. Até que a garotinha viu um coelho branco vestindo um colete, correndo e exclamando estar atrasado, com um relógio de bolso na mão. Espera aí! Desde quando os coelhos vestem coletes, têm relógios e falam?

No País das Maravilhas, Alice encontrou dezenas de personagens intrigantes: animais falantes, um chapeleiro louco, uma rainha má e muito mais! (ilustração: Jessie Wilcox Smith / Wikipedia)

No País das Maravilhas, Alice encontrou dezenas de personagens intrigantes: animais falantes, um chapeleiro louco, uma rainha má e muito mais! (ilustração: Jessie Wilcox Smith / Wikipedia)

Alice se levantou e foi atrás do coelho branco, até que o danado entrou por um buraco no chão e sumiu. Lá se foi a garota atrás dele, buraco abaixo. O que ela encontrou depois disso você só vai saber em detalhes se ler Aventuras de Alice no País das Maravilhas e sua continuação, Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá, obras do escritor britânico Lewis Carroll.

O primeiro dos dois livros foi publicado em 1865 e se tornou um sucesso, assim como a sequência, de 1871. Tanto que há espécies que ganharam seu nome científico por causa das aventuras de Alice. Quer ver só?

Em 1987, a paleontóloga polonesa Halszka Osmólska descreveu um novo gênero e espécie de dinossauro carnívoro, cujos fósseis foram encontrados na Mongólia, chamando-o Borogovia gracilicrus. Em um poema de Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá é descrito um tipo de ave bem estranha, com longas pernas, chamada “borogove” – “gaiolouvo”, na edição brasileira. Apesar de o Borogovia não ter sido uma ave, pertencia a um grupo de dinossauros que estava entre os parentes mais próximos delas na árvore evolutiva. O que o dinossauro e as estranhas criaturas literárias tinham em comum era a longa perna, que acabou rendendo-lhe também o nome específico gracilicrus (“canela fina”, em latim).

Os borogoves (à esquerda) eram aves bem estranhas, com pernas muito longas, inventadas pelo escritor Lewis Carroll. Já o dinossauro <i>Borogovia gracilicrus</i> foi bem real e viveu mais de 70 milhões de anos atrás, onde hoje fica a Mongólia. (ilustrações: Wikipedia e dinopedia.wikia.com)

Os borogoves (à esquerda) eram aves bem estranhas, com pernas muito longas, inventadas pelo escritor Lewis Carroll. Já o dinossauro Borogovia gracilicrus foi bem real e viveu mais de 70 milhões de anos atrás, onde hoje fica a Mongólia. (ilustrações: Wikipedia e dinopedia.wikia.com)

Outra espécie que ganhou um nome em referência a um personagem dos contos de Alice tem nome complicado: Strombidinopsis cheshiri. Esta criatura não é um animal, mas um protozoário. A maioria dos protozoários é unicelular, ou seja, possui uma única célula que desempenha todas as funções necessárias para sua vida. É esse o caso do S. cheshiri, cuja célula – que não mede mais que 0,1 milímetro de comprimento! – tem um formato curioso, que lembra um ovo com topete. O topete, na verdade, é formado por estruturas da região da célula por onde ela captura outros protozoários e bactérias ainda menores, das quais se alimenta.

Strombidinopsis quer dizer “parecido com Strombidium”, nome de outro gênero de protozoário. Por sua vez, Strombidium tem origem em uma palavra em latim que significa “espiral”, provavelmente por causa do formato do seu topete.

<i>Strombidinopsis cheshiri</i> é uma espécie de protozoário que habita águas costeiras da Califórnia, nos Estados Unidos, onde faz parte do chamado zooplâncton. No canto superior esquerdo, vemos um indivíduo dessa espécie e o seu “sorriso” – as estruturas pretas no topo da célula. Visto por cima (abaixo), observamos que essas estruturas formam uma espiral, que deu origem ao nome de muitos gêneros de protozoários. (fotos: adaptado de Snyder & Ohman, <i>Transactions of the American Microscopical Society</i>, 1991; ilustração: John Tenniel / Wikipedia)

Strombidinopsis cheshiri é uma espécie de protozoário que habita águas costeiras da Califórnia, nos Estados Unidos, onde faz parte do chamado zooplâncton. No canto superior esquerdo, vemos um indivíduo dessa espécie e o seu “sorriso” – as estruturas pretas no topo da célula. Visto por cima (abaixo), observamos que essas estruturas formam uma espiral, que deu origem ao nome de muitos gêneros de protozoários. (fotos: adaptado de Snyder & Ohman, Transactions of the American Microscopical Society, 1991; ilustração: John Tenniel / Wikipedia)

A referência a Aventuras de Alice no País das Maravilhas está no nome cheshiri, que vem do Gato de Cheshire. Um dos personagens mais famosos do livro, o Gato podia desaparecer quando bem entendesse, deixando apenas seu sorriso visível. E, segundo os pesquisadores que descobriram o Strombidinopsis cheshiri em 1991, quando eles usavam reagentes químicos para estudar essa espécie, praticamente toda a célula desaparecia, exceto as estruturas orais, lembrando um sorriso como o do Gato de Cheshire!

Talvez você já tenha assistido algum desenho animado ou filme que reconte a história de Alice e suas aventuras no País das Maravilhas. Que tal, agora, ir direto à fonte original e ler os livros? Garanto que você vai amar essa viagem literária, maluca e divertida!

Matéria publicada em 03.07.2015

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Henrique Caldeira Costa

Curioso desde criança, Henrique tem um interesse especial em pesquisar a história por trás dos nomes científicos dos animais, que partilha com a gente na coluna O nome dos bichos

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